segunda-feira, 9 de julho de 2012

Os olhos não mais veem, mas o coração ainda sente


                                                                                                             Por Rossana Pacheco



                             Frigorífico (1966 - Clube)                Curitiba – (2008 - sacada de minha casa.)

Quando me ponho a pensar no Frigorífico, não o faço sozinha; trago para bem perto de mim a criança que fui um dia, pois só assim, com ela ao meu lado, minhas descrições e sensações podem fazer jus ao lugar que permanece em minha mente e coração.
Sinto que, sem a criança, a mente atual é incapaz de relatar suas lembranças, ainda mais que quem lá morou foi a criança e não a pessoa adulta que hoje lhes escreve. Eu preciso, portanto, daquela criança cochichando aos meus ouvidos, para que eu possa voltar no tempo e me ver, de novo, na avenida central, onde nasci, no dia 15 de julho de 1960, um pouco antes de a fábrica apitar ao meio-dia, conforme ocorria naquela época – e de onde saí, no final do ano de 1974, com 14 anos.
Vim ao mundo com a ajuda da parteira dona Lúcia, a mesma que ajudou no parto de meu irmão mais velho, o Agenor, e em quem minha mãe confiava plenamente. No momento de meu nascimento, estava no quarto, além da parteira e de minha mãe, minha avó paterna Izaura Marques Pacheco.
Meus avós também moraram no Frigorífico. Meu avô materno (alemão de Stuttgart), Carlos Otto Hermes, chegou ao Frigorífico na década de 1940, com sua esposa Nadir (gaúcha de Passo Fundo, tchê) e os filhos: Ione, Yolanda, Wilson e Hilde. A minha mãe foi a única a morar por quase 4 décadas no bairro, pois tanto os pais quanto os irmãos se mudaram do Frigorífico na década de 60. Meu avô trabalhou como chefe do almoxarifado, onde se aposentou e meu tio trabalhou na oficina, com o Preguinho, por alguns anos, antes de se mudar para a capital. A minha mãe e suas irmãs trabalharam, por pouco tempo, na Anglo, mas todas as três foram funcionárias da fábrica. Minha tia Ione como telefonista, minha mãe e minha tia Hilde na seção de sabonetes. Posteriormente, minha mãe foi para o laboratório, onde trabalhou junto ao Frederico Narduchi.
Quando era criança, ouvi muitas vezes minha mãe contando sobre um episódio ocorrido no Frigorífico, durante a Segunda Guerra Mundial: que alguns homens (??) exigiram que meu avô e outros alemães, residentes no Frigorífico, na década de 40, entregassem o rádio que possuíam, para que não houvesse perigo de transmitirem informações aos soldados de Hitler. Imaginem...
O meu avô paterno, Agenor Pacheco, trabalhou mais de 45 anos na Anglo. Ele se mudou de Salvador, Bahia, ainda jovem para o Frigorífico, onde conheceu minha avó Isaura (portuguesa de Trás-os-Montes), que havia, segundo ela própria, vindo ao Brasil como clandestina em um navio. Casaram-se, tiveram três filhos: Nadir, Darci e Gilson. O meu pai começou a trabalhar na Anglo com 14 anos e se aposentou aos 42 anos, tendo exercido, nos últimos anos, a função de chefe do departamento pessoal. Meu tio Gilson trabalhou cerca de 8 anos na Anglo e minha tia Darci, depois de se formar no Magistério, mudou-se para Ibitiúva, para exercer a função de professora em uma escola rural.
Até hoje me lembro da casa de minha avó Isaura, na avenida central. Adorava almoçar com eles e o menu era sempre o mesmo, mas com um gosto maravilhoso: arroz, feijão, bife acebolado, salada de alface e tomate e batatas fritas cortadas em rodelas. A casa deles era muito grande e minha avó tinha um capricho especial com as calçadas....Nunca mais vi calçadas tão brancas.  O jardim, que existia na lateral da casa e em grande parte do quintal era muito colorido e cheiroso. Mas ai se eu roubasse algumas de suas flores....era puxão de orelha na certa.
Minha infância foi mágica, pois tive o que verdadeiramente as crianças precisam: liberdade. Brincávamos de esconde-esconde nas ruas e, assim, levávamos horas para acharmos todos os escondidos. Quando ganhei minha bicicleta, uma Caloi vermelha, pude então aumentar meu tour pelo bairro. No começo, saía de casa, ia até a fábrica e depois até o final da avenida central, perto da Igreja presbiteriana. Depois, fui ganhando consentimento para ir mais longe, desde que voltasse logo. Então, um dia, fui pedalando até o campo de golfe. Entrei nas ruelas onde moravam os ingleses e meus olhos iam se enchendo de curiosidade e beleza. Sempre que podia, passava perto das casas dos ingleses e ficava imaginando as pessoas “enrolando a língua” para se comunicarem e de novo e de novo ia até pertinho do campo de golfe, o lugar que, para mim, era o mais bonito de todos.
Uma pessoa me marcou a infância, pois foi quem me inseriu no mundo da fantasia e dos sonhos: a Dona Norma, esposa do Sr. Plínio, que trabalhava no correio do bairro. Ela escolhia as peças, os textos e depois ensaiava as crianças do bairro para as apresentações em momentos especiais: dia das mães, dos pais, dia das crianças, Páscoa, Natal, etc. Assim, eu participei do baile da Cinderela, da Guerra do Vietnã, da história da Senhora Baratinha, e de outros enredos importantes.
No Frigorífico, tínhamos tudo que precisávamos: casa para morar; local de trabalho de nossos pais; escola (Grupo Escolar Fábio Junqueira Franco); clube; cinema, restaurante; armazém, igreja, etc. Se hoje, aos olhos adultos, esses lugares parecem insuficientes, aos olhos de uma criança representavam o próprio mundo.
Lembro-me, também, de alguns amigos especiais com quem brinquei: a Alba, filha da Sinhá e do Sr Neno; a Ana Isidoro; a Márcia da Direce; a Viviane (quando não brigávamos e ficávamos de mal por dias a fio...); a Míriam Marinho, a Cléia Vieira, a Rose e a Cleide, filhas do Sr Ari. A Nádia, irmã do corujinha, era com quem eu ia ao cinema. Eu passava na casa dela, pois era caminho para o cinema, e lá íamos nós duas, conversando, até entrarmos no cinema e, depois de ouvirmos aquelas músicas antigas, nos silenciávamos para assistirmos ao filme.
Tenho muitas saudades do Frigorífico e, quando me pergunto por quê, são muitas as respostas e justificativas. O desejo de voltar ao tempo é muito forte, pois se assim o fizesse, reencontraria minha família: pais e irmãos, morando todos juntos na avenida central. Meu pai e irmão caçula estariam vivos, minha mãe teria de volta sua juventude e eu, além de ser novamente criança, ainda estaria no paraíso, deliciando-me com o creme do Chico padeiro e certa de que o lobo mau não nos pegaria. Pensando, enfim, que seríamos felizes para sempre.

6 comentários:

  1. Rossana, seu texto é muito bonito e foi redigido com muita emoção. Se fosse no papel, imagino, estaria com algumas gotas de lágrimas que caíram dos seus olhos maculando as letras. Parabéns.

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  2. Muito bom mesmo, me transportei para aquele local.

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  3. que lindo depoimento Rossana , eu jamais esqueço o tempo em que lá vivi com minha familia. lembo-me de sua familia, do seu irmão roberto, agenor,e de vc uma lindissima mulher, não me esqueço de seus cabelos, lindos.

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  4. ROSSANA, LEMBRO-ME MUITO BEM DE VOCÊ. MENINA SEMPRE BEM ARRUMADINHA, COMPORTADINHA E LINDINHA. EU, A MENINA QUE BRINCAVA NA RUA, DESCALÇA, CORRENDO, SUBINDO EM ÁRVORE, QUE COM TODAS AQUELAS ATIVIDADES, FICAVA COM A "CARA" E A ROUPA SUJAS DAQUELA TERRA VERMELHA. SAUDADES.
    SUA MÃE, D. YOLANDA, EU A CONSIDERAVA UMA MULHER LINDA, PORÉM VIA MELANCOLIA EM SEUS OLHOS. ELA IA NA MINHA CASA, POIS MINHA MÃE D. ROSA, COSTURAVA PRA SUA FAMÍLIA E ÀS VEZES, LEVAVA OS FILHOS PARA TOMAR AS MEDIDAS DAS ROUPAS A SEREM CONFECCIONADAS.
    A CADA PALAVRA SUA PUDE VIAJAR PELO TÚNEL DO TEMPO. E TAMBÉM MINHA MENTE DE CRIANÇA,TRANSPORTOU-ME A CADA CENA DA SUA NARRATIVA.
    LEMBRO-ME DA D. ISAURA, SEMPRE BEM ENFEITADA, COM ESMALTES VERMELHOS (UNHAS FEITAS PELA D. SINHÁ), CABELOS CLAROS, CURTOS E ARRUMADOS COM LAQUÊ.
    SUA CALÇADA ERA BEM BRANQUINHA, QUE NEM ME ATREVIA A PISAR NELA.
    AH, AQUELA FLORES LINDAS, NUM JARDIM IMPECÁVEL...
    SINTO QUE A MAIORIA DOS EX MORADORES DO FRIGORÍFICO SENTEM O MESMO DESEJO DE VOLTAR À INFÂNCIA, ÀQUELE PEQUENO E GRANDE MUNDO MÁGICO.
    NESSA FOTO ATUAL POSSO VER SUA MÃE, NA ÉPOCA.
    SINTO POR SEU PAI E SEU IRMÃO CAÇULA.

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  5. ROSSANA, LEMBRO-ME MUITO BEM DE VOCÊ. MENINA SEMPRE BEM ARRUMADINHA, COMPORTADINHA E LINDINHA. EU, A MENINA QUE BRINCAVA NA RUA, DESCALÇA, CORRENDO, SUBINDO EM ÁRVORE, QUE COM TODAS AQUELAS ATIVIDADES, FICAVA COM A "CARA" E A ROUPA SUJAS DAQUELA TERRA VERMELHA. SAUDADES.
    SUA MÃE, D. YOLANDA, EU A CONSIDERAVA UMA MULHER LINDA, PORÉM VIA MELANCOLIA EM SEUS OLHOS. ELA IA NA MINHA CASA, POIS MINHA MÃE D. ROSA, COSTURAVA PRA SUA FAMÍLIA E ÀS VEZES, LEVAVA OS FILHOS PARA TOMAR AS MEDIDAS DAS ROUPAS A SEREM CONFECCIONADAS.
    A CADA PALAVRA SUA PUDE VIAJAR PELO TÚNEL DO TEMPO. E TAMBÉM MINHA MENTE DE CRIANÇA,TRANSPORTOU-ME A CADA CENA DA SUA NARRATIVA.
    LEMBRO-ME DA D. ISAURA, SEMPRE BEM ENFEITADA, COM ESMALTES VERMELHOS (UNHAS FEITAS PELA D. SINHÁ), CABELOS CLAROS, CURTOS E ARRUMADOS COM LAQUÊ.
    SUA CALÇADA ERA BEM BRANQUINHA, QUE NEM ME ATREVIA A PISAR NELA.
    AH, AQUELA FLORES LINDAS, NUM JARDIM IMPECÁVEL...
    SINTO QUE A MAIORIA DOS EX MORADORES DO FRIGORÍFICO SENTEM O MESMO DESEJO DE VOLTAR À INFÂNCIA, ÀQUELE PEQUENO E GRANDE MUNDO MÁGICO.
    NESSA FOTO ATUAL POSSO VER SUA MÃE, NA ÉPOCA.
    SINTO POR SEU PAI E SEU IRMÃO CAÇULA.

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  6. Vamos lá mocinhas do frigorífico, da década digamos q de 50/60.estudei no grupo escolar do frigorífico Anglo esse era o nome. Fechei o primário em 1956. Tive a grande surpresa de ver em fotos da av. São Paulo, uma colega de sala e de alguns papos já mocinhas.CACILDA, ah foi agora,nesse momento,até chorei.Mas CACILDA e eu estávamos sempre de rixas. Éramos duas meninas bonitas e espertas por isso tínhamos o pé atrás uma c a outra,havia outra colega de classe e vizinha.Um dia dentro da sala de aula arrumamos uma confusão,ela disse q ia me pegar na saída,ihhh,aí a coisa ficou preta,pq a outra colega INÊS, tomou as dores e foi PR cima da CACILDA kkkkkkkkk. Meninas,a Inês era forte,mas aconteceu algo terrível!!! CACILDA tinha feito uma cirurgia da apêndice, e os pontos estouraram,a situação complicou.Bom,eu apanhei do meu pai,as outras eu não seu talvez eu fique sabendo agora,né??? Kkkkkkkkk A vida continuou........ficamos mocinhas...vieram os namoricos...éramos amigas CACILDA e Eu...pronto, o bixo peggou de novo!!! Ela namorava o Zezinho,cobrador do ônibus q fazia frig.Barretos.Olha dessa vez não tive culpa.Ela me apresentou o moço ,aí............. Tomei ele dela q me ameaçou de contar PR meu pai e mãe, nossa!!!!!!!!! Fiquei c a purga atrás da orelha,apanhar de novo por causa da CACILDA??????Devolvi o Zezinho PR ela,kkkkkkkkkkkkkkkkk lembra amiga????????? Histórias gostosas q MTS de nós temos na memória, tenho hoje 71 anos,mas td q vivi ,td q fiz qd criança, mocinha até meus 17 anos nesse paraíso q se chamava Bairro Frigorífico Anglo,Os encontros às escondidas do papai no cinema, ah... Qt saudade !!!!!! À 5 anos atrás estivemos no bairro frig.minha irmã Neusa,seu neto e eu,o anos entristeceu foi q não sabíamos da demolição das colônias,e encontrar td diferente,mas MSM assim deu PR matar a saudade,moramos TDs em Campo Grande MS

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