Março de 2012
Londres. 1931. John era filho de
açougueiro e sempre acompanhava o pai para comprar carne em Smithfield quando
ficou sabendo da possibilidade de deixar a Inglaterra para trabalhar no Brasil
e abandonar o vício de beber exageradamente (promessa feita a mãe). Era um
alcoólatra contumaz e passava as noites nos pubs. Ingrid, filha de um pastor,
mesmo depois de casada trabalhava em uma padaria. O casal com menos de um ano
de casado, ainda não tinha filhos. John e Ingrid tinham a mesma idade: 24 anos.
Contratado pelos Vesteys receberia um salário mensal cerca de três vezes
superior o que ganhava em Londres, a viagem de ida para o Brasil de navio com
todos os seus pertences, férias de três em três anos na Inglaterra com passagem
de ida e volta para ele e família, moradia e outras regalias. Seria a primeira
vez que ambos saíram da Inglaterra.
Os navios eram do Grupo, da Blue
Star Line, geralmente mistos de carga e passageiros e levava entre dois e três
meses de viagem, dependendo da rota da embarcação e a demora nos portos.
O casal chegou a Santos sabendo poucas
palavras em português, sendo recepcionado pelo pessoal do escritório da Blue
Star Line e encaminhado a São Paulo para ser entrevistadopor um diretore receber
algumas orientações. Acostumados em Londres assustaram com a cidade. No outro
dia, tomaram o trem noturno da Paulista e chegaram a Barretos onde foram
levados para ocupar a moradia a eles destinada. Casa ampla com três
dormitórios, sala, copa, cozinha, despensa, banheiros e varanda. Muito mais confortável do que o flat que
moravam num subúrbio de Londres. Ficaram alguns dias envolvidos na montagem da
casa. Ingrid estava feliz por que John não estava bebendo, mas, já com muitas
saudades da família.
Barretos era uma cidade pequena e
provinciana. De modo geral toda a população vivia em torno da atividade do
frigorifico e das lavouras de milho, algodão e arroz. Algumas lojas de tecidos
e armarinhos, armazéns de cereais, uma escola pública e vários açougues. Repleto
de peões que traziam gado para o frigorífico e gastava tudo o que tinham
recebido no Bico do Pavão e com as
polacas da zona de meretrício.
Barretos no final da década de 1930. Acervo Museu "Ruy Menezes"
Na década de 1930 os principais
jornais de Londres publicavam anúncios do Grupo Vestey que estaria contratando
pessoas interessadas para vir trabalhar na Argentina, Uruguai e Brasil,
oferecendo bom salário e muitas regalias. Entre os carregadores de carne do
mercado de Smithfield os comentários eram constantes sobre a possiblidade de
deixarem a Inglaterra para vir trabalhar na América do Sul. A crise econômica
assolava a Europa, refletindo a situação financeira dos Estados Unidos,
debilitado após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. Os
dirigentes do Grupo preferiam contratar jovens casais, mesmo sem nenhuma
experiência administrativa e com algum conhecimento de carne. Muitos dos que
prestavam serviços gerais em Smithfield e em outros mercados de carne se
candidatavam. Contratavam também alguns solteiros.
O Grupo Vestey em 1930 tinha
30.000 empregados em todo o mundo e estava investindo pesado na América do Sul.
Tudo foi iniciado em 1912, com a compra de diversas fazendas no Brasil,
principalmente no estado de São Paulo, próximas aos ramais ferroviários. A
crise no mercado cafeeiro deixava os preços bem atraentes. O primeiro
frigorífico foi o de Mendes, no estado do Rio de Janeiro, pela aquisição em
1916 de uma fábrica desativada de cerveja que foi transformada em
abatedouro-frigorífico.
Em 1920 houve a compra de uma
fábrica de extrato de carne em Fray Bentos no Uruguai, que também foi adaptada
para ser um abatedouro-frigorífico e fábrica de enlatados de carne. Em 1921
houve a aquisição do frigorifico de Pelotas, no Rio Grande do Sul e em 1923 do
frigorifico de Barretos. Na Argentina o Grupo chegou em 1927 adquirindo o
frigorífico de Doca Sud, em Buenos Aires, na época o maior frigorífico do mundo.
Para fazer funcionar todo este
gigantesco conjunto de empreendimentos, necessitava de bastante gente. Era
costume de todas as empresas estrangeiras que investiam na América do Sul,
contratar conterrâneos para os postos chaves de comando. Os Vesteys não eram
diferentes, com poucas exceções, todos os encarregados de departamentos dos
frigoríficos, contadores, gerentes de fazendas eram britânicos, ou filhos de
britânicos. A seleção dos que se interessavam a deixar a Inglaterra e mudar
para a América do Sul era pouco rigorosa: bastava conhecer alguma coisa sobre
abate ou carne.
Casa montada, John foi para a
fábrica ocupar o seu posto. Ele foi escolhido para substituir um encarregado
que estava aposentando e retornaria a Inglaterra. Teria pouco mais de um mês
para aprender a função. A maior dificuldade era a língua e com isso não
conseguia comunicar com os subordinados. Os empregados não viam com bons olhos
o novo inglesinho que aprenderia o serviço para ser chefe deles. Foi um período
de dura aprendizagem, de alguma sabotagem dos empregados mais velhos e denecessidade
da imposição de sua autoridade. Quando saiu o velho inglês teve que dar duro,
já sabendo algumas palavras essenciais em português, passava o dia trabalhando
com a turma.
Ingrid teve a assistência de outra
inglesa que já vivia há mais tempo no Brasil e foi tentar suprir a despensa.
Grande parte dos artigos que consumia na Inglaterra não estava disponível por aqui
e foi alertada pela conterrânea que tinha que adaptar-se. Ficava a maior parte
do dia sozinha em casa, chorando de saudades do pai, da mãe, dos irmãos, das
amigas e até das colegas da padaria. Tinha uma moça brasileira que era sua
empregada e procurava ajudá-la. Com ela aprendeu até algumas palavras em
português. Como é costume britânico, as famílias só se encontravam no clube,
ninguém frequentava a casa do outro. Ingrid em algumas tardes ia ao clube onde
conversava formalmente com as outras inglesas. As comunicações com os
familiares eram por carta. Recebia com atraso revistas da Inglaterra e de vez
em quando discos e livros. Escutava a rádio BBC à noite, em uma transmissão
cheia de ruídos.
John saía da fábrica todo o dia
depois das 18 horas e ia para casa fazer companhia para a esposa e cansado
tomava seu banho jantava e ia dormir. Convencido pelos outros colegas ingleses
passava no clube onde tomava seu gim com tônica ou uma cerveja e ia embora. Com
o passar do tempo teve um recaída no vício que tinha abandonado desde que saiu
de Londres. Acostumou toda tarde a passar antes no bar do Clube e cada dia
bebia mais. Os colegas iam embora e ele ficava bebendo e somente ia para casa
embriagado. Em casa não tinha paciência para ficar ouvindo as lamentações da esposa
e ocorriam desentendimentos entre eles. Algumas vezes nem tomava banho e
iadireto para a cama. Esta rotina era diária. Nos domingos ia jogar críquete e
começava a beber mais cedo. O casamento era uma ficção.
Passaram-se o período de três anos e foram de férias
para Londres. Terminado as férias Ingrid não quis mais voltar o Brasil. John para
cumprir o contrato voltou sozinho e sua situação piorou. Bebia compulsivamente
e chegava a ir para a fábrica bêbado. Perdeu a autoridade com os
subordinados, passou a frequentar o Bico do Pavão e conviver com os peões e as
prostitutas, provocar escândalo na comunidade e por esta razão foi advertido
pela diretoria. Foi por fim demitido e obrigado a retornar para a Inglaterra.
Histórias como a de John ocorreram
na vida real. A maioria dos ingleses que vieram para o Brasil eram pessoas
excelentes, porém, veio também funcionários de toda espécie. Os ingleses
contratados para trabalhar nas fazendas tinham pior situação. Na fábrica
existiam as moradias da colônia onde várias dezenas de famílias estavam
próximas, existia o Clube, as atividades sociais e esportivas. Nas fazendas
muitas vezes era apenas uma família, morando distante da cidade, convivendo com
gente de pouca ou nenhuma cultura, hábitos diferentes, sem rodovias e sem
transporte para chegar até lá. Só o cavalo e a charrete.
Estes ingleses, embora imigrantes
como tantos outros: italianos, eslavos, espanhóis e japoneses, eram
diferenciados. Os outros imigrantes principalmente os latinos vinham em
famílias inteiras, havendo estreita convivência entre elas. Transferiam, grosso
modo, a terra deles para o Brasil, mantendo as tradições e tinham o interesse
de permanecer aqui e criar raízes. Os ingleses vinham sozinhos ou apenas o
casal, encontravam-se esporadicamente em reuniões sociais e esportivas,
mantendo porem o distanciamento entre eles. O propósito era cumprir o contrato
e voltar para a Inglaterra com algum dinheiro.
Texto riquíssimo, detalhista, carregado de veracidade, uma verdadeira aula de história, fiquei imaginando cada momento, como se os olhos do leitor vislumbrasse e sorvesse cada nuance desta saga... espero que venham mais destes. Obrigado, parabéns!
ResponderExcluirParabens! Muito explicito. Tambem meus pais tem historia para contar, trabalhavam em fazenda para a Familia Vestey no Brasil. Se quiser trocar informacoes, me acesse.
ResponderExcluirmiwilly@hotmail.co.uk
Grata,
Miriam
QUE HISTÓRIA MARAVILHOSA DESSES BRAVOS PIONEIROS.
ResponderExcluirSOU GRATA PELAS RICAS INFORMAÇÕES.
QUE HISTÓRIA MARAVILHOSA DESSES BRAVOS PIONEIROS.
ResponderExcluirSOU GRATA PELAS RICAS INFORMAÇÕES.
Interessante mas muito superficial. Falta muita informacao. Espero que seja so o inicio de um processo para contar a historia do Frigorifico Anglo no Brasil, nao so em Barretos (SP) mas em Pelotas (RS) e em Mendes (RJ)
ResponderExcluirDesde Fray Bentos, Uruguay donde la Vestey Co. trabajó bajo el nombre de ANGLO DEL URUGUAY, desde 1924. También me interesa intercambiar informaciones sobre la vida de los obreros y empleados ya que soy historiador. Pueden leer historia de la fábrica en Fray Bentos que desde 1863 fue la famosa Liebig´s Extract of Meat company, en https://sites.google.com/site/spdrionegro/
ResponderExcluirMi email rboretto@gmail.com
Passei grande parte de minha infância e adolescência no clube dos ingleses, onde havia um mix de sotaques e linguas diferentes. Familias que chegavam de outros países, outras que retornavam. Old ladies, campo de golf, o hall com lareira onde assistíamos filmes no video cassete e jogavamos snooker quando os adultos não viam. Grande época.
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