Por Rossana Pacheco
Frigorífico (1966 - Clube) Curitiba – (2008 - sacada de minha casa.)
Quando me ponho a pensar no Frigorífico, não o faço
sozinha; trago para bem perto de mim a criança que fui um dia, pois só assim,
com ela ao meu lado, minhas descrições e sensações podem fazer jus ao lugar que
permanece em minha mente e coração.
Sinto que, sem a criança, a mente atual é incapaz de
relatar suas lembranças, ainda mais que quem lá morou foi a criança e não a
pessoa adulta que hoje lhes escreve. Eu preciso, portanto, daquela criança cochichando
aos meus ouvidos, para que eu possa voltar no tempo e me ver, de novo, na
avenida central, onde nasci, no dia 15 de julho de 1960, um pouco antes de a fábrica
apitar ao meio-dia, conforme ocorria naquela época – e de onde saí, no final do
ano de 1974, com 14 anos.
Vim ao mundo com a ajuda da parteira dona Lúcia, a
mesma que ajudou no parto de meu irmão mais velho, o Agenor, e em quem minha
mãe confiava plenamente. No momento de meu nascimento, estava no quarto, além
da parteira e de minha mãe, minha avó paterna Izaura Marques Pacheco.
Meus avós também moraram no Frigorífico. Meu avô
materno (alemão de Stuttgart), Carlos Otto
Hermes, chegou ao Frigorífico na década de 1940, com sua esposa Nadir (gaúcha
de Passo Fundo, tchê) e os filhos: Ione, Yolanda, Wilson e Hilde. A minha mãe
foi a única a morar por quase 4 décadas no bairro, pois tanto os pais quanto os
irmãos se mudaram do Frigorífico na década de 60. Meu avô trabalhou como chefe
do almoxarifado, onde se aposentou e meu tio trabalhou na oficina, com o
Preguinho, por alguns anos, antes de se mudar para a capital. A minha mãe e
suas irmãs trabalharam, por pouco tempo, na Anglo, mas todas as três foram funcionárias
da fábrica. Minha tia Ione como telefonista, minha mãe e minha tia Hilde na
seção de sabonetes. Posteriormente, minha mãe foi para o laboratório, onde trabalhou junto ao Frederico Narduchi.
Quando era criança, ouvi muitas vezes
minha mãe contando sobre um episódio ocorrido no Frigorífico, durante a Segunda
Guerra Mundial: que alguns homens (??) exigiram que meu avô e outros alemães,
residentes no Frigorífico, na década de 40, entregassem o rádio que possuíam,
para que não houvesse perigo de transmitirem informações aos soldados de
Hitler. Imaginem...
O meu avô paterno, Agenor Pacheco, trabalhou mais de
45 anos na Anglo. Ele se mudou de Salvador, Bahia, ainda jovem para o
Frigorífico, onde conheceu minha avó Isaura (portuguesa
de Trás-os-Montes), que havia, segundo ela própria, vindo ao Brasil como
clandestina em um navio. Casaram-se, tiveram três filhos: Nadir, Darci e
Gilson. O meu pai começou a trabalhar na Anglo com 14 anos e se aposentou aos
42 anos, tendo exercido, nos últimos anos, a função de chefe do departamento
pessoal. Meu tio Gilson trabalhou cerca de 8 anos na Anglo e minha tia Darci,
depois de se formar no Magistério, mudou-se para Ibitiúva, para exercer a
função de professora em uma escola rural.
Até hoje me lembro da casa de minha avó
Isaura, na avenida central. Adorava almoçar com eles e o menu era sempre o
mesmo, mas com um gosto maravilhoso: arroz, feijão, bife acebolado, salada de
alface e tomate e batatas fritas cortadas em rodelas. A casa deles era muito
grande e minha avó tinha um capricho especial com as calçadas....Nunca mais vi
calçadas tão brancas. O jardim, que
existia na lateral da casa e em grande parte do quintal era muito colorido e
cheiroso. Mas ai se eu roubasse algumas de suas flores....era puxão de orelha
na certa.
Minha infância foi mágica, pois tive o que
verdadeiramente as crianças precisam: liberdade. Brincávamos de esconde-esconde
nas ruas e, assim, levávamos horas para acharmos todos os escondidos. Quando
ganhei minha bicicleta, uma Caloi vermelha, pude então aumentar meu tour pelo bairro. No começo, saía de
casa, ia até a fábrica e depois até o final da avenida central, perto da Igreja
presbiteriana. Depois, fui ganhando consentimento para ir mais longe, desde que
voltasse logo. Então, um dia, fui pedalando até o campo de golfe. Entrei nas
ruelas onde moravam os ingleses e meus olhos iam se enchendo de curiosidade e
beleza. Sempre que podia, passava perto das casas dos ingleses e ficava
imaginando as pessoas “enrolando a língua” para se comunicarem e de novo e de
novo ia até pertinho do campo de golfe, o lugar que, para mim, era o mais
bonito de todos.
Uma pessoa me marcou a infância, pois foi quem
me inseriu no mundo da fantasia e dos sonhos: a Dona Norma, esposa do Sr.
Plínio, que trabalhava no correio do bairro. Ela escolhia as peças, os textos e
depois ensaiava as crianças do bairro para as apresentações em momentos
especiais: dia das mães, dos pais, dia das crianças, Páscoa, Natal, etc. Assim,
eu participei do baile da Cinderela, da Guerra do Vietnã, da história da
Senhora Baratinha, e de outros enredos importantes.
No Frigorífico, tínhamos tudo que
precisávamos: casa para morar; local de trabalho de nossos pais; escola (Grupo
Escolar Fábio Junqueira Franco); clube; cinema, restaurante; armazém, igreja,
etc. Se hoje, aos olhos adultos, esses lugares parecem insuficientes, aos olhos
de uma criança representavam o próprio mundo.
Lembro-me, também, de alguns amigos especiais
com quem brinquei: a Alba, filha da Sinhá e do Sr Neno; a Ana Isidoro; a Márcia
da Direce; a Viviane (quando não brigávamos e ficávamos de mal por dias a
fio...); a Míriam Marinho, a Cléia Vieira, a Rose e a Cleide, filhas do Sr Ari.
A Nádia, irmã do corujinha, era com quem eu ia ao cinema. Eu passava na casa
dela, pois era caminho para o cinema, e lá íamos nós duas, conversando, até
entrarmos no cinema e, depois de ouvirmos aquelas músicas antigas, nos
silenciávamos para assistirmos ao filme.
Tenho muitas saudades do Frigorífico e,
quando me pergunto por quê, são muitas as respostas e justificativas. O desejo
de voltar ao tempo é muito forte, pois se assim o fizesse, reencontraria minha
família: pais e irmãos, morando todos juntos na avenida central. Meu pai e
irmão caçula estariam vivos, minha mãe teria de volta sua juventude e eu, além
de ser novamente criança, ainda estaria no paraíso, deliciando-me com o creme do
Chico padeiro e certa de que o lobo mau não nos pegaria. Pensando, enfim, que seríamos
felizes para sempre.